Terra Mater

Coimbra, 1418

For English version see below.

Se você perguntar a qualquer experiente caçador de tesouros qual é o lugar mais aterrorizante da floresta, ouvirá sempre que há um ponto que é mencionado mais do que todos os outros. E esse ponto recebe muitos nomes: A Queda, O Poço, A Pedreira. Apesar dos diversos nomes, a descrição é sempre a mesma:

“O chão à frente parece ter uma leve inclinação, a descida eventualmente se abre para um buraco enorme, tão largo quanto dez dezenas de homens deitados de pés à cabeça. E na medida em que se aproxima, a cada passo, uma vertigem toma conta da pessoa, como se ela fosse cair a qualquer momento. Não é possível ver o fundo. Mas o som de mil martelos batendo contra mil formões — plink, plink, plink — é muito claro.”

Aqui, as histórias começam a divergir. Alguns dizem que lá embaixo há mineiros, buscando ouro, prata ou pedras preciosas. Outros afirmam que são escultores, esculpindo ídolos e artefatos raros para oferendas. Seja o que for, veem a luz do dia há centenas ou milhares de anos—qualquer coisa trazida de lá certamente seria um troféu único, capaz de alcançar um preço considerável.

Curiosamente, a localização exata dessa vasta abertura nunca parece ser a mesma. Alguns dizem que está a poucos quilômetros ao sul das margens do rio Mondego, enquanto outros a colocam bem ao norte, nas profundezas da floresta. Esses relatos conflitantes quase certamente podem ser atribuídos à desorientação que quase todos os caçadores de tesouros sofrem após algum tempo na floresta.

A pedreira abria-se diante deles como uma ferida antiga na terra, suas bordas ásperas desafiando o olhar dos aventureiros. Obeha, o pequeno camponês, encolhia-se diante da magnitude da abertura. Ele era um homem simples, de voz suave e corpo arredondado, mas seu pensamento estava fixo em um único objetivo: ganhar o respeito do cabido da Sé de Coimbra. A peste o havia expulsado de suas terras, e a pedreira, cercada de lendas e promessas de riquezas incalculáveis, parecia ser a resposta para todos os seus problemas.

Kel, por sua vez, observava o desfiladeiro com um brilho calculista nos olhos. Sempre elegante, suas roupas de cortes perfeitos escondiam a ambição desenfreada que pulsava em seu peito. Ele acreditava aer predestinado a coisas grandes e que o poder era seu direito. A pedreira, para ele, era mais uma peça em seu jogo de conquista, um trampolim para sua ascensão. Mahera, o agiota, estava ali por um motivo mais simples: dinheiro. As dívidas de seu pai o atormentavam, e as paredes de granito prometiam salvação em forma de rubis. Já Elísio, o minerador, movia-se com uma reverência quase sagrada. Para ele, as profundezas da terra não eram apenas uma fonte de riquezas, mas um santuário de fé. Ele acreditava que Deus havia guiado seus passos até ali.

Os quatro desceram pelo declive irregular da pedreira, sentindo a vertigem e o medo os envolverem, mas a ganância e a ambição eram mais fortes que qualquer receio. Ao encontrarem um túnel estreito, a tensão cresceu. Kel e Obeha começaram a discutir quem deveria ir na frente. Algo parecia fora do lugar, como se o próprio ar entre eles tivesse se tornado mais pesado. Os dois homens quase chegaram às vias de fato, até que Kel, com sua arrogância característica, tomou a dianteira.

Nas profundezas da pedreira, o grupo encontrou algo inesperado: crianças de pedra, pequenas figuras de granito, batendo com seus martelos nas paredes da caverna. O som seco e ritmado ecoava pelas passagens, acompanhado por gritos curtos e agudos, sempre que uma delas se quebrava ou se feria. Cada martelada fazia a terra tremer, como se o próprio coração da pedreira estivesse pulsando com elas.

Por um breve momento, os aventureiros hesitaram. As crianças de pedra não eram inimigos convencionais; estavam presas em um ciclo interminável de trabalho, condenadas a cavar, sem descanso. Em vez de enfrentá-las, o grupo, com algum esforço, conseguiu convencê-las a brincar. As crianças os guiaram ainda mais fundo, até o coração da pedreira.

Lá, envolto em um brilho sobrenatural, estava o rubi colossal. A luz que emanava da pedra parecia pulsar com vida própria. Obeha foi o primeiro a ceder à tentação. Ele se aproximou, a mão trêmula, mas os olhos fixos no rubi. Em sua mente, via-se finalmente ganhando o respeito que tanto ansiava. Ao tocar a pedra, um calafrio percorreu seu corpo, e a transformação começou. Seus dedos endureceram, sua pele tornou-se granito. Agora, ele fazia parte da pedreira, uma estátua viva, mais um guardião condenado pela maldição daquele lugar.

Mahera, observando a cena com frieza, decidiu que o rubi gigante não valia o risco. Enquanto as crianças brincavam incansavelmente ao redor, ele começou a recolher pequenos fragmentos de rubis que caíam das veias nas paredes. Seu único pensamento era a fortuna que o aguardava na superfície. Ignorou os tremores sutis que percorriam o chão e os sussurros que pareciam ecoar das profundezas. Satisfeito com o peso dos rubis em seus bolsos, ele iniciou a lenta subida de volta, ignorando os sinais de que algo muito maior e mais perigoso estava por vir.

Kel, no entanto, via nas crianças de pedra uma oportunidade. Um exército de pequenos seres de granito, moldados à sua vontade, era tudo o que ele precisava para conquistar o poder que tanto desejava. Ele acreditava que poderia controlá-los, que poderia moldá-los como ferramentas para seus próprios fins. Mas o tempo é uma coisa curiosa nas profundezas da terra. Kel nunca realizou seu sonho. Ele continuou ali, para sempre, brincando com as crianças de pedra, sua mente presa a uma ilusão de glória que nunca chegaria. A respeito do cabido de Coimbra, o poder que ele buscava, tudo se dissolveu nas sombras da pedreira.

Elísio, o minerador místico, olhava para tudo aquilo com uma fé inabalável. Ele acreditava que os acontecimentos na pedreira eram orquestrados por Deus. Para ele, as crianças de pedra, o rubi e até a transformação de Obeha eram sinais divinos, provas que ele deveria levar ao cabido de Coimbra como um presente abençoado. Em sua mente, isso traria bênçãos a todos. Acreditava que o cabido veria a verdade de Deus refletida nas pedras, e que ele seria o portador dessa revelação sagrada. Elísio foi tratado como um herege, contador de histórias, quando volta a Coimbra.

E assim, cada um deles seguiu seu caminho — uns presos para sempre, outros carregando sua ganância ou fé de volta à superfície. Mas a pedreira continuava ali, viva e vigilante, esperando os próximos que viriam profanar seus segredos.


English Version


If you ask any experienced treasure hunter about the most terrifying place in the forest, there’s one spot that everyone mentions more than any other. This place has many names: The Drop, The Pit, The Quarry. Despite the variety of names, the description is always the same:

“The ground ahead has a slight slope, leading down to a huge opening, as wide as ten dozen men laid head-to-toe. As you get closer, step by step, a dizziness comes over you, as if you could fall at any moment. You can’t see the bottom. But the sound of a thousand hammers striking a thousand chisels—plink, plink, plink—is unmistakably clear.”

Here, the stories start to diverge. Some say that deep below, there are miners searching for gold, silver, or precious stones. Others claim they are sculptors, carving idols and rare artifacts for offerings. Whatever it may be, they haven’t seen daylight in hundreds, perhaps thousands, of years—anything brought up from there would surely be a unique trophy, worth a considerable sum.

Curiously, the exact location of this vast opening never seems to stay the same. Some say it’s a few kilometers south of the Mondego River banks, while others place it much farther north, deep in the forest. These conflicting accounts almost certainly result from the disorientation that nearly every treasure hunter experiences after some time in the woods.

The quarry opened before them like an ancient wound in the earth, its rough edges challenging the gaze of the adventurers. Obeha, a small peasant, shrank back from the enormity of the opening. He was a simple man, soft-spoken and round-bodied, but his mind was fixed on a single goal: to earn the respect of the chapter of the Cathedral of Coimbra. The plague had driven him from his land, and the quarry, surrounded by legends and promises of unimaginable wealth, seemed like the answer to all his troubles.

Kel, on the other hand, regarded the chasm with a calculating gleam in his eyes. Always elegant, his finely tailored clothes concealed the unbridled ambition pulsing in his chest. He believed destined to higher goals and that power was his birthright. To him, the quarry was another piece in his conquest game, a stepping stone toward his ascent. Mahera, the moneylender, was there for a simpler reason: money. His father’s debts haunted him, and the granite walls promised salvation in the form of rubies. Elísio, the miner, moved with an almost sacred reverence. To him, the depths of the earth weren’t just a source of riches but a sanctuary of faith. He believed God had guided his steps there.

The four descended along the quarry’s uneven slope, feeling the vertigo and fear envelop them, but greed and ambition were stronger than any apprehension. As they found a narrow tunnel, the tension rose. Kel and Obeha argued over who should go first. Something felt amiss, as if the very air between them had grown heavier. The two nearly came to blows until Kel, with his characteristic arrogance, took the lead.

In the depths of the quarry, the group encountered something unexpected: stone children, small granite figures, hammering at the cave walls. The dry, rhythmic sound echoed through the passages, accompanied by short, sharp cries whenever one of them broke or hurt itself. Each hammer strike made the ground tremble, as if the very heart of the quarry was beating with them.

For a brief moment, the adventurers hesitated. The stone children were no conventional enemies; they were trapped in an endless cycle of labor, condemned to dig without rest. Instead of confronting them, the group, with some effort, managed to convince them to play. The children led them even deeper, to the heart of the quarry.

There, bathed in a supernatural glow, was a colossal ruby. The light emanating from the stone seemed to pulse with its own life. Obeha was the first to succumb to temptation. He approached it, his hand trembling but his eyes fixed on the ruby. In his mind, he saw himself finally gaining the respect he so longed for. The moment he touched the stone, a chill coursed through his body, and the transformation began. His fingers hardened, his skin turned to granite. He was now part of the quarry, a living statue, yet another guardian condemned by the curse of that place.

Mahera, watching the scene coldly, decided the giant ruby wasn’t worth the risk. While the children played tirelessly around him, he began gathering small ruby fragments that had fallen from the veins in the walls. His only thought was of the fortune awaiting him at the surface. He ignored the subtle tremors that ran through the ground and the whispers that seemed to echo from the depths. Satisfied with the weight of rubies in his pockets, he began the slow ascent back, oblivious to signs that something much greater and more dangerous was coming.

Kel, however, saw in the stone children an opportunity. An army of small granite beings molded to his will was all he needed to claim the power he desired. He believed he could control them, that he could shape them into tools for his own ends. But time is a strange thing in the depths of the earth. Kel never fulfilled his dream. He remained there, forever, playing with the stone children, his mind trapped in an illusion of glory that would never arrive. As for the chapter in Coimbra and the power he sought, all of it dissolved in the shadows of the quarry.

Elísio, the mystic miner, looked upon it all with unshakable faith. He believed that the events in the quarry were orchestrated by God. To him, the stone children, the ruby, and even Obeha’s transformation were divine signs, gifts he was to bring back to the chapter in Coimbra as blessed offerings. He was certain the chapter would see God’s truth reflected in the stones and that he would be the bearer of this sacred revelation. When he returned to Coimbra, Elísio was dismissed as a heretic, a storyteller.

And so, each of them went their way—some trapped forever, others carrying their greed or faith back to the surface. But the quarry remained there, alive and vigilant, waiting for the next who would dare to profane its secrets.


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